TEATRÓLOGA E CRÍTICA DE "O GLOBO" ASSISTE APRESENTAÇÃO DE FAVELA E FAZ RELATO SOBRE O ESPETÁCULO.
Postado por ASSESSORIA
A crítica Tânia Brandão descreve nossa Favela. |
"Existe um custo Brasil que assombra os preços, tortura a vida econômica e maltrata o cidadão. Existe um prejuízo Brasil que impede sonhos, tritura almas e destrói vidas. O primeiro paira sobre todos, mas é invisível, ainda que soberano. O segundo é objetivo, despótico, imediato para todos os que nascem abaixo de certo meridiano social. A sua ação é tão virulenta que, em boa parte, ele é o gerador do primeiro, pois colabora de forma decisiva para a existência no país de uma sociedade marcada por extrema violência social, altamente injusta. Uma grande parcela da população brasileira nasce condenada à completa exclusão, como se não existisse um pacto social para a sobrevivência digna de todos, como se fosse natural existir uma sociedade da desigualdade. O espetáculo Favela, em cartaz no Teatro do Fashion Mall, aborda este tema de forma contundente, mas sedutora, teatral. Não há ressentimento nem baixo astral, apenas a sinalização de que tais condições sociais são inaceitáveis, são prejudiciais para o universo social de todos.
Favela é destaque no RIO SHOW. (Foto: Fernanda Sabença)
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A direção de Marcio Vieira conduz a multiplicidade de referencias com extrema maestria, bom ritmo e belo desenho de cena, tarefa facilitada pelo cenário inspirado, de corte realista elegante, espaço bem resolvido por Derô Martins. Outro acerto é a direção de corpo de Sueli Guerra, capaz de revelar com muita força o que se poderia definir como corpo popular em seus diferentes matizes: o corpo trabalhador, o sedutor, o dançarino, o reprimido... A luz de Djalma Amaral e os figurinos de Caio Braga são adequados.
O elenco é grande, como deve ser em peças que tratam da vida em comunidade. Alguns atores possuem um tanto mais de experiência, outros são mais singelos em sua formação. Todos, contudo, apresentam uma inquestionável devoção ao teatro, viabilizam a cena como trabalho de elenco. Ainda que possa parecer injustiça em uma proposta tão bem resolvida, vale destacar alguns desempenhos. Ana Berttines desenha a mãe passional e partidária com requintes de gesto, fala e movimento. Dja Marthins apresenta uma fofoqueira de janela rica em pausas, intenções e insinuações. Dilene Prado, a mãe vadia, revela um notável senso cômico. Leandro Santanna desenha uma linha de marido amante e algoz de humor refinado, em parceria bem resolvida com Carla Cristina. Rafael Zulu se esmera na pose do filho bom malandro. Os galãs Michel Gomes e Gabriel Chadan, apesar da pouca experiência visível, convencem como protagonistas e respondem às exigências fortes de seus papéis.
Em resumo, Favela é uma peça para ser vista e revista, um destaque da temporada, imperdível. Representa uma linha nova, memorável, da comédia de costumes brasileira, de tom e clima originais, uma proposição autêntica, formulada a partir do cotidiano das comunidades, fora dos gabinetes acadêmicos. A cena ferve, a plateia exulta, estamos em nosso país aqui e agora. Uma única restrição deve ser feita à montagem: a ausência da música ao vivo, arte tão importante para o povo brasileiro. De resto, Favela é isto: um golpe decisivo contra o custo Brasil e o prejuízo Brasil, um grito de paz para a libertação de nossa sociedade, contra a mediocridade política e a mesquinharia social."